Songtext zu Santarém, 12 de fevereiro de 2013
. . . . cà memória de António José Forte
. . . . e para a Rosa Maria Martelo
É pela angústia - volto a pensar;
inutilmente - que se chega ao conhecimento,
essa «realidade arbitrária» e talvez impartilhável.
Tenho, porém, a certeza de que vi hoje
fechadas, remodeladas ou devolutas
todas as tabernas e livrarias
em que vorazmente dissipei a minha juventude.
Passei também pelo último edifício
onde o meu pai trabalhou, só para ter a certeza
de que a dor ainda não me é estranha.
E até tresli, numa porta de vidro sem dono,
«Carnanval Solitário» em vez de «Carnaval Solidário»
- lembrando-me, não de Camus, mas da Rosa.
Vi depois que estava para venda o bar onde conheci
«o homem mais triste do mundo». E entrei no Centro
Comercial, para me tentar sentir um pouco pior
(consegui). Parei em frente à loja de cortinados
Katuxa, onde outrora se vendiam inesperados vinis
que, embora tenham envelhecido mal,
me deram momentos de paixão que nem Bach superou.
E havia cafés sem gente, gente sem cafés,
esta coisa demasiado lúgubre a que chamamos Carnaval.
Não tive coragem de ir suplicar à Zulmira que fosse,
durante dez minutos, a minha verdadeira mãe,
trazendo-me cerveja, tabaco, a sopa que deixou de servir
aos clientes que se perderam para sempre nas entranhas da cidade.
Mas a janela manuelina continua lá, Herberto,
encimando uma loja de trapos e cercada
de bancos e polícias que aproveitam, à sua maneira,
o facto de hoje ser quase feriado, dia tão «só
até aos joelhos» que acaba por se tornar insuportável
e condensa, em poucas horas, «quarenta noites de insónia».
Apanhei um táxi, em frente à maior loja chinesa do Ribatejo.
Um resto de chuva lavava o chão vazio, detinha-se
nos letreiros caducos de pensões onde o amor local é proibido.
Há, de facto, cidades tão mortas que nem um poema merecem.
Manuel de Freitas - Santarém, 12 de fevereiro de 2013 Songtext
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